#17 Trabalho e ócio

Para quem ainda não percebeu que o sentido da vida humana é trabalhar para viver, não viver para trabalhar, aqui vai um Scanner do Thoureau, com a limpidez de raciocínio e a beleza do pensamento que o caracterizava.

Este mundo é um lugar de trabalho. Que infinita azáfama! Sou despertado quase toda noite pelo arfar da locomotiva. Interrompe-me os sonhos. Não há dias de descanso. Seria esplêndido ver a Humanidade entregue ao ócio uma vez que fosse. Não há nada mais além de trabalho, trabalho, trabalho. Não me é fácil adquirir um caderno em branco para registrar pensamentos; os cadernos são comumente pautados para dólares e centavos. Um irlandês, ao ver-me fazer apontamentos no campo, deu por assente que eu estava calculando minha paga. Se um homem foi atirado janela a fora, quando criança, aleijando-se para o resto da vida, ou amedrontado até a loucura pelos índios, lamentam-no principalmente porque ficou incapacitado para… o trabalho!

Há um sujeito rude, violento e ganancioso nas cercanias da vila, que vai levantar um muro de reparo no sopé da colina, ao longo da borda de seu prado. Os deuses lhe puseram isso na cabeça para mantê-lo afastado de discórdias, e ele quer que eu passe ali três semanas, a escavoucar com ele. O resultado será que ele talvez venha a ganhar ainda mais dinheiro, para amealhar e legar aos herdeiros, que irão gastá-lo nesciamente. Se eu fizer isso, a maioria me louvará como homem industrioso e trabalhador; mas se eu resolver dedicar-me a certos labores que dão lucro mais verdadeiro, embora pouco dinheiro, talvez eles se sintam inclinados a me considerar um vadio. Não obstante, como não careço de polícia do trabalho sem sentido para me pôr nos trilhos, e não vejo nada de louvável na iniciativa desse sujeito, nem em muitos cometimentos de nosso próprio governo ou de governos estrangeiros, por mais divertidos que possam ser para ele ou eles, prefiro completar minha educação em outra escola.

Se um homem dedicar metade do seu dia a passear pelas florestas, porque gosta delas, correrá perigo de ser considerado um mandrião; entretanto, se gastar o dia todo como especulador, a tosquiar aquelas florestas e a escalvar a terra antes do tempo, será prezado como cidadão industrioso e empreendedor. Como se uma vila não tivesse pelas suas florestas outro interesse que não fosse o de pô-las abaixo! (p. 48-49)

THOREAU, Henry David. A vida sem princípio. In: A desobediência civil e outros ensaios. São Paulo: Cultrix, 1968. [Texto redigido em 1849]

Vitor Henrique Paro, 17/02/2020

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