A ignorância quase sempre cria deuses. Mas deus é também uma criação dos poderosos e espertos que a impõem aos ignorantes para que eles possam, na ausência da força direta, acreditar que há um dominador maior que os vigia e que punirá os desobedientes, em vida e depois da morte. De uma forma ou de outra, essa crença tem sido tão constante, que tanto a ignorância quanto os poderosos, durante milênios, tem conseguido o sucesso em mantê-la, a tal ponto que, em pleno Século XXI, os que não aderem a ela ainda são, de alguma forma, estigmatizados, pelo menos pelos crentes. (Falo em crença aqui, como correspondente à crença religiosa, diferenciada portanto da crença em geral, como crença na ciência, por exemplo, que é fundamentada em elementos da realidade.)
O estranho, em termos políticos, é o fato de que, em geral, as pessoas religiosas que usufruem do direito de propalar aos quatro ventos sua crença em deus, se põem a protestar quando alguém usa do direito de pensar diferente e afirmar que ele não existe. Este é imediatamente “tachado” de ateu. Como o termo tem, historicamente, uma conotação negativa, seria bom refletir sobre a situação atual, pois, em vez da imprescindível separação entre fé (a existência de um ser imaginário como se fosse real) e ciência (a não aceitação de algo não comprovado cientificamente), a coisa fica como se, para todos efeitos, a existência de deus fosse uma premissa verdadeira, existindo, por um lado, os que nele creem (os fiéis) e, por outro, os que nele não creem (os infiéis). É de se perguntar em que isso se diferencia da situação na Idade das Trevas, com a única ressalva de que hoje é concedido aos infiéis o seu direito de crença e de não serem queimados vivos por isso. Ao fim, é como se existissem um deus e duas crenças.
Mas, falar sobre ateísmo como forma de crença, só mesmo do ponto de vista dos crentes. No mundo das pessoas pautadas pela razão e pela ciência, acho meio esdrúxulo “acoimar” alguém de ateu como fazem os crentes. Eu não preciso de um deus e não gostaria de ser definido por oposição àquilo que não existe. É meio esquisito isso de inventar um ser imaginário como base de uma crença e nominar os outros, que não têm culpa nenhuma disso, como se fossem apenas adeptos de uma outra crença, ou seja, aqueles que não creem em tal quimera. As pessoas gostam de ser identificadas pelo que elas são (e creem) não pelo que não são (e não creem).
Para a ciência deus não existe. E nem se trata de prová-lo; seria absurdo, pois o ônus da prova cabe a quem afirma o fato, não a quem o nega. Na ciência é assim. No domínio religioso (privado), eu posso dizer que unicórnios existem e, se você não quiser ser intolerante, você deve respeitar essa minha crença. Agora, se eu disser a mesma coisa no domínio da ciência (público), eu tenho de prová-lo, e não exigir que alguém revire o mundo e adjacências para provar que unicórnios não existem. Então, se você acredita que um sujeito, depois de crucificado, morto e sepultado, ganhou vida novamente e ressuscitou, ou acredita que um pedaço de hóstia, pela ação da consagração, durante a missa católica, se transforma materialmente em sangue e corpo daquele mesmo sujeito, ampare-se em tua fé para crer nisso e eu respeitarei integralmente tua opção, mas não traga isso para o domínio da ciência para não cair no ridículo.
Vitor Henrique Paro, 18/02/2020
Se notar alguma ideia ou tema que você considere mal abordado ou que exija maior explicação,
me comunique, por favor. Terei prazer em considerar sua observação.
Olá! Após minha longa busca por respostas em relação ao princípio criador (vulgo deus), me identifiquei com o deísmo agnóstico* e cheguei as seguintes conclusões: deus é uma suposição, um fenômeno fictício! Sua crença ou descrença é inútil e completamente desnecessária! Tanto aquele que acredita ou que não acredita em algo que não se possa mensurar (no caso aqui deus) se encontram no mesmo “balaio” chamado CRENÇA. Independentemente da sua crença, ela é exatamente igual a outra pois todas se resumem da mesma forma: AQUELE QUE CRÊ É AQUELE QUE NÃO SABE! O mais honesto consigo mesmo e com mundo e menos presunçoso quando não se sabe exatamente sobre algo é ser humilde admitindo não saber.
*Se trata de alguém que acredita que a questão da existência ou não de um poder superior (Deus) não foi e nunca será resolvida. Jamais acreditam em livros sagrados ou seguem alguma religião, apesar de talvez buscar conhecimento sobre várias delas. Porém, não negam que Deus ou um “Organizador do Universo” possa existir.
Olá, Rodrigo. Agradeço seu comentário. Respeito sua opinião, mas devo dizer que algumas afirmações me parecem questionáveis à luz da razão. Por exemplo, não posso entender o que o leva a igualar como crentes aquele que acredita e aquele que não acredita em deus criador. Porque um crê que algo existe e outro crê que esse mesmo algo não existe, não significa que estejam no mesmo balaio e acreditem na mesma coisa. É por isso que o artigo tem o cuidado de diferenciar crença em geral de fé religiosa (esta como crença em algo imaginário).
Outro ponto que me intriga é a insistência do agnóstico em querer sustentar sua posição na eventual ignorância a respeito da existência de algo. Embora respeite as pessoas que assim pensam, me parece que dizer que “a questão da existência ou não de um poder superior (Deus) não foi e nunca será resolvida” é não dizer absolutamente nada de relevante para a questão. Posso dizer que também a existência de mula de sete cabeças ou do Saci Pererê (ambas crenças do imaginário com o mesmo estatuto de verdade de um deus criador) “não foi e nunca será resolvida”.
Não me lembro bem qual foi o autor que afirmou que o “agnóstico é um ateu envergonhado”. Penso que há certo exagero nisso – e certamente concordo, em termos epistemológicos, que se tenha uma postura geral de reserva (agnóstica, digamos) diante de questões a respeito das quais não se tenha um consenso científico –, mas me pergunto por que é que certos agnósticos, quando perguntados se acreditam em mula de sete cabeças, respondem, imediatamente e sem reservas, que não, mas diante da mesma pergunta a respeito de deus criador eles titubeiam e utilizam todo um discurso para relativizar sua (não) crença.
Um forte abraço.
O caminho da ciência e da razão nos trazem para este lugar de distanciamento da crença em seres imaginários, o que acredito que infelizmente não seja lugar comum da maioria de nosso povo brasileiro.
É verdade, Adriana. Por isso, eu penso que está mais do que na hora de os que defendem a razão e a ciência, especialmente nos espaços educativos, “saírem do armário” em que muitos se colocaram por temerem o juízo dos obscurantistas que pretendem censurar e desmerecer qualquer pessoa que faz críticas à fé cega e que denuncia seu caráter nocivo à civilização.
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Olá! Após minha longa busca por respostas em relação ao princípio criador (vulgo deus), me identifiquei com o deísmo agnóstico* e cheguei as seguintes conclusões: deus é uma suposição, um fenômeno fictício! Sua crença ou descrença é inútil e completamente desnecessária! Tanto aquele que acredita ou que não acredita em algo que não se possa mensurar (no caso aqui deus) se encontram no mesmo “balaio” chamado CRENÇA. Independentemente da sua crença, ela é exatamente igual a outra pois todas se resumem da mesma forma: AQUELE QUE CRÊ É AQUELE QUE NÃO SABE! O mais honesto consigo mesmo e com mundo e menos presunçoso quando não se sabe exatamente sobre algo é ser humilde admitindo não saber.
*Se trata de alguém que acredita que a questão da existência ou não de um poder superior (Deus) não foi e nunca será resolvida. Jamais acreditam em livros sagrados ou seguem alguma religião, apesar de talvez buscar conhecimento sobre várias delas. Porém, não negam que Deus ou um “Organizador do Universo” possa existir.
Olá, Rodrigo. Agradeço seu comentário. Respeito sua opinião, mas devo dizer que algumas afirmações me parecem questionáveis à luz da razão. Por exemplo, não posso entender o que o leva a igualar como crentes aquele que acredita e aquele que não acredita em deus criador. Porque um crê que algo existe e outro crê que esse mesmo algo não existe, não significa que estejam no mesmo balaio e acreditem na mesma coisa. É por isso que o artigo tem o cuidado de diferenciar crença em geral de fé religiosa (esta como crença em algo imaginário).
Outro ponto que me intriga é a insistência do agnóstico em querer sustentar sua posição na eventual ignorância a respeito da existência de algo. Embora respeite as pessoas que assim pensam, me parece que dizer que “a questão da existência ou não de um poder superior (Deus) não foi e nunca será resolvida” é não dizer absolutamente nada de relevante para a questão. Posso dizer que também a existência de mula de sete cabeças ou do Saci Pererê (ambas crenças do imaginário com o mesmo estatuto de verdade de um deus criador) “não foi e nunca será resolvida”.
Não me lembro bem qual foi o autor que afirmou que o “agnóstico é um ateu envergonhado”. Penso que há certo exagero nisso – e certamente concordo, em termos epistemológicos, que se tenha uma postura geral de reserva (agnóstica, digamos) diante de questões a respeito das quais não se tenha um consenso científico –, mas me pergunto por que é que certos agnósticos, quando perguntados se acreditam em mula de sete cabeças, respondem, imediatamente e sem reservas, que não, mas diante da mesma pergunta a respeito de deus criador eles titubeiam e utilizam todo um discurso para relativizar sua (não) crença.
Um forte abraço.
O caminho da ciência e da razão nos trazem para este lugar de distanciamento da crença em seres imaginários, o que acredito que infelizmente não seja lugar comum da maioria de nosso povo brasileiro.
É verdade, Adriana. Por isso, eu penso que está mais do que na hora de os que defendem a razão e a ciência, especialmente nos espaços educativos, “saírem do armário” em que muitos se colocaram por temerem o juízo dos obscurantistas que pretendem censurar e desmerecer qualquer pessoa que faz críticas à fé cega e que denuncia seu caráter nocivo à civilização.