#1 “Conhecimento econômico é coisa apenas para especialistas”

Esta afirmação assume que a formação intelectual do cidadão prescinde de conteúdos econômicos, razão pela qual nossos mestres da escola básica, em especial do ensino fundamental, se sentem inteiramente despreparados (e impotentes) quando se trata de prover seus estudantes de um mínimo de conhecimentos sobre sua inserção na sociedade em que vivem. Acredita-se frequentemente que Economia é coisa especializada, para ser tratada no ensino superior e não precisa fazer parte da formação básica do indivíduo. Penso que não é bem assim [Neba]. Até porque os “especialistas” em Economia estão, em sua quase totalidade, articulados com os donos do poder econômico, e desenvolvem a “teoria” que somente a estes interessa.

Comecemos pelo medo que as pessoas têm de Economia ou, mais propriamente, Economia Política. Muita gente acha que Economia é uma matéria difícil, e resiste a aprender qualquer conteúdo a respeito, considerando-se incapaz de compreendê-la. Se você é uma dessas pessoas, não se preocupe. Primeiro, porque você não está só: existem multidões na mesma situação, e muitos não têm a coragem de reconhecer isso, fingindo uma compreensão que não têm, apenas para ocultar seu terror aos conhecimentos econômicos. Em segundo lugar, porque esse medo tem cura: ele pode ser eliminado da mesma forma que foi adquirido, já que não é uma coisa natural, ou seja, a gente não nasce com essa repugnância pelos assuntos econômicos, ela é produzida socialmente por indivíduos, grupos e instituições cujos interesses são contrários à apreensão da verdade por parte das grandes massas.

Os poderosos (aqueles que nos dominam e nos fazem agir de acordo com sua vontade) têm verdadeiro pavor da verdade, ou seja, sentem medo de que os oprimidos tenham acesso ao conhecimento do mundo, especialmente do mundo social, ou seja, de tudo que diz respeito às relações entre as pessoas e de como essas relações estão dispostas e organizadas.

Apenas para ilustrar, observe como alguns poderosos agem para evitar que cheguemos à verdade sobre o mundo social. Na esfera mais propriamente econômica, por exemplo, temos aqueles que vulgarmente chamamos de ricos ou muito ricos. Estes, em nossa sociedade, são os proprietários do capital. Em outra ocasião, teremos oportunidade de apresentar um conceito mais rigoroso dessa palavra. Por ora, basta que a tomemos no sentido comum de uma quantidade de dinheiro que é aplicada no mercado com a finalidade de aumentar o seu volume. O dinheiro se transforma, pois, em capital, quando seu proprietário, o capitalista, o aplica na compra de matérias-primas, máquinas, e ferramentas, e emprega trabalhadores para produzirem as mercadorias que serão vendidas e que reverterão em lucros para eles, os proprietários do capital. Em vista disso, o capitalista típico desenvolve toda uma teoria falsa da realidade, comumente chamada de liberalismo econômico ou neoliberalismo, para ocultar o fato, que demonstraremos em outro momento, de que todo valor produzido na sociedade advém do esforço e do suor do trabalhador, não de uma qualidade mágica que seu dinheiro teria, de reproduzir-se espontaneamente, apenas por conta de seu empenho nos negócios.

Na esfera cultural, observe como as igrejas de modo geral têm verdadeira ojeriza à apropriação de conhecimentos científicos. Durante muitos séculos, a Igreja Católica e as demais seitas cristãs têm envidado todos os esforços possíveis para impugnar as descobertas e avanços no campo da ciência, com receio de verem contestadas suas crenças e sua visão do universo, herdadas de civilizações com reduzidíssimo conhecimento científico. O mesmo se dá com relação aos avanços éticos e culturais que contradizem seus preconceitos e superstições. Na verdade, para proteger seu direito de crença, não haveria necessidade disso, pois fé religiosa nenhuma precisa ser provada ou mostrar-se coerente com a realidade para que o crente tenha, em sua vida privada, o direito, reconhecido universalmente, de exercer sua crença. Acontece que as igrejas em geral, embora utilizem a fé religiosa como escudo, têm interesses que extrapolam completamente o âmbito sobrenatural, e se associam constantemente ao poder político vigente, que tem como sustentáculo o poder econômico. Não lhes interessa, por isso, a proliferação do conhecimento econômico, pois é precisamente a economia a base de seu poder. O obscurantismo é professado e praticado especialmente pelas igrejas de vertente monoteísta que criaram um deus imaginário para ameaçar com o terror ou o inferno aqueles que não aceitam o poder político-econômico ao qual normalmente servem de sustentáculo.

Uma forma privilegiada de negar esse obscurantismo e lutar contra a situação de injustiça social em que vivemos é compreender com clareza os interesses econômicos que determinam essa situação. A disciplina que cuida disso teoricamente é a Economia. Mas é preciso, preliminarmente, ultrapassar o entendimento que o senso comum tem desse conceito, que o relaciona apenas ao que diz respeito a dinheiro, transações comerciais, lucro, crescimento do PIB, inflação, etc. Economia, em seu sentido mais amplo e rigoroso, engloba tudo aquilo que diz respeito à produção material da existência humana. Desde as sociedades mais primitivas – na verdade desde que se faz humano-histórico – o homem se põe diante do problema econômico ao ter de aplicar suas energias vitais no emprego de objetos e instrumentos (no início extremamente rudimentares) para produzir sua própria vida por meio do trabalho. O trabalho é, portanto, categoria central das questões econômicas. Mas o trabalho, para se fazer, necessita objetos de trabalho e instrumentos de trabalho, ou seja, meios de produção, que são as condições objetivas de trabalho, sem as quais não há trabalho, portanto não há vida. Quem detém os meios de produção dispõe, na verdade, das condições objetivas de vida do restante da população. E desde que, historicamente, grupos mais fortes têm se apropriado privadamente desses meios, esses grupos passam a dominar a sociedade. Nisso se resume o drama da sociedade capitalista em que vivemos.

Daí a importância do estudo de Economia: ele fornece os meios para compreender esse sistema e lutar para superá-lo. Simples assim. Por que uns (ínfima minoria) são ricos e outros pobres? Por que tanta miséria em meio à comprovada abundância e desperdício? Por que a exploração do trabalho como regra organizadora da sociedade? Como se dá especificamente esse processo? Por que precisa haver pobres para o capitalismo funcionar? Essas questões só podem ser respondidas de modo pleno, apelando-se para os conhecimentos econômicos. Algumas delas serão abordadas em outros pitacos.

Vitor Henrique Paro, 12/01/2020

Se notar alguma ideia ou tema que você considere mal abordado ou que exija maior explicação,
me comunique, por favor. Terei prazer em considerar sua observação.

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COMENTÁRIOS

9 Comentários

  1. Mariana Saliola

    Excelente texto!

    1. Marcomm

      Também achei

  2. ELISSON SILVA OLIVEIRA

    “Na esfera cultural, observe como as igrejas de modo geral têm verdadeira ojeriza à apropriação de conhecimentos científicos.”
    Sempre volto a esse tema, formado em Química, percebo que a Ciência se torna antagônica a religião, pelo simples medo que os religiosos têm de perderem o seu capital político que é a fé.

  3. Claudia Martinho

    Infelizmente quem detém o capital não interessa que haja a discussão da economia como transformação social, percebo que na educação básica não existe essa discussão, pois na formação dos professores esse raramente é abordado, principalmente com essa abordagem social. Além desse fato, muitos têm em sua educação a vertente religiosa. Muitos durante anos ouviram em sua vida que política e religião não se discutem. Fico feliz, que este texto me trouxe uma compreensão mais didática sobre Economia Política.

  4. Junior

    Excelentes postulações, professor Vitor. Aqui no Espírito Santo tivemos redução das aulas de Sociologia e Filosofia na carga horária do Ensino Médio. A quantidade de horas que era ínfima, passou a ser ainda mais irrisória. Para além, grande parte dos professores de Sociologia do ensino básico capixaba não são formados nessa área (uma parte é composta por pedagogos que ampliam carga horária e outra por profissionais como advogados e jornalistas que fazem complementação pedagógica). Assim, mesmo que eles entendessem bem o tripé da Sociologia Marx x Weber x Durkheim, mesmo assim, tenho minhas dúvidas se teriam a ombridade e a coragem de ensinar Marx nas escolas. Nossos educadores estão cada vez mais amendrontados (e não sem razão) diante dessa era de trevas que se apoderou do país.

  5. Adriana Watanabe

    O que tenho visto nas escolas, quando acontece, é educação financeira o que difere de economia política, ai fica difícil mesmo o sujeito compreender as relações econômicas que nos afetam.

  6. Silvia Teixeira Cardenuto

    O texto levanta muitas questões, mas pensei como a ignorância da população é projeto de sociedade. Como a sociedade formada por “gado” é importante para a dominação.

  7. Fernanda Guimarães

    Texto esclarecedor. Nunca havia visto por esse angulo, minha falta de conhecimento sobre o assunto.

  8. Marcia Saraiva

    Verdade sobre algumas pessoas terem pavor o tema economia. Ha alguns anos atrás eu era uma dessas pessoas.
    Excelente texto.

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